top of page

O Silêncio (1963) - Crítica

  • Foto do escritor: João Marcos Albuquerque
    João Marcos Albuquerque
  • há 4 dias
  • 2 min de leitura

Obra rarefeita e inquietante, construída a partir daquilo que não se diz — e que, no entanto, reverbera com uma força quase insuportável. O filme acompanha duas irmãs e um menino em uma cidade estrangeira, suspensa entre guerra, desejo e decadência. O que mais impressiona não é o que acontece, mas como Bergman filma o vazio entre os corpos, a opressão dos espaços, a tensão não resolvida dos gestos e dos silêncios. A narrativa progride como um sonho mal digerido, em que os afetos reprimidos se condensam na arquitetura, nos sons abafados e na espera estéril.


A encenação é absolutamente precisa e rigorosa, e é por meio dela que o filme se torna tão sufocante quanto belo. O uso da luz, das texturas e dos enquadramentos claustrofóbicos transforma o hotel — esse não-lugar quase labiríntico — em um espelho deformado do interior das personagens. Cada cena carrega uma atmosfera crepuscular, como se o mundo estivesse se dissolvendo lentamente, consumido pela incomunicabilidade, pela culpa e pelo desejo não dito. A sexualidade irrompe não como prazer, mas como angústia, compulsão ou provocação — uma forma de tentar furar o silêncio entre os corpos, sempre em vão.


Há um componente onírico constante: a cidade estrangeira fala uma língua incompreensível, os militares marcham em segundo plano como fantasmas do passado, e o menino perambula como uma figura da inocência perdida, ou do olhar que ainda tenta dar sentido ao que vê. A crise entre as duas irmãs é também a crise da linguagem, da intimidade e da representação. O silêncio do título não é apenas o silêncio de Deus, como já foi dito, mas o silêncio entre os vivos — o abismo entre as almas.


A sequência final, com a personagem de Ingrid Thulin tomada por uma espécie de asfixia existencial, é uma das mais aterradoras do cinema bergmaniano. Não há grito, não há desfecho, apenas um corpo prestes a se romper, como se a dor não coubesse mais dentro da pele. O Silêncio é um filme sobre a falência das palavras, da família, da fé — e ao mesmo tempo, um dos exemplos mais belos de como o cinema pode dar forma a esses colapsos através da encenação.

Comentarios


© Filmes Cuti 2022 - Criado por João Marcos Albuquerque

  • Branca Ícone Instagram
bottom of page