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  • Foto do escritorJoão Marcos Albuquerque

Athena (2022)

Atualizado: 6 de out. de 2022

Tiro, Porrada e Fogos de Artifício


Toda encenação é criada e conduzida com o intuito de injetar adrenalina no espectador, com movimentos de câmera impressionantes, numa coreografia do caos e da guerra que merece aplausos pela engenhosidade da execução. Porém, ao final da trama, o filme perde a coragem que ostentou com mestria por toda a obra, ao decidir agradar gregos e troianos, numa solução narrativa que me frustrou, e que acaba por prejudicar outras decisões narrativas que a antecederam. Vou explicar.


O filme, chamado Athena, traz para a contemporaneidade elementos do épico e de tragédia grega. No plano estético, a escolha pelas músicas clássicas, com o coro e com suas apoteoses acústicas, remetem diretamente ao épico e ao grandioso. Os planos sequência tiram o fôlego, levam à imersão, nos causam grandes emoções, ao serem executados em tracking shots e primeiros planos que enquadram o rosto ou as costas dos personagens em movimento, nos sensibilizando através da corporalidade e das expressões faciais, que transparecem toda a subjetividade dos personagens - sabemos o que eles estão sentindo, e nos tornamos cúmplices de seus sentimentos. Todo esse gestual e caracterizações remetem a teatralização e à tragedia.


A tragédia é o ponto nerval da narrativa. Três irmãos que, pelo assassinato do caçula, se envolvem em uma trama que se mostra cada vez mais trágica e irresoluta, como nas tragédias gregas (a escolha pelo nome Athena não me parece fortuita). O destino parece agir sobre eles, os aprisionando em decisões que vão levando a consequências nefastas e irrecuperáveis. A desgraça se abate sobre a família. Como nas grandes tragédias gregas - são os deuses que estão no controle.


Mas não seriam as grandes engrenagens sociais e políticas, as ditas estruturas de poder (machismo estrutural, racismo estrutural etc.) uma espécie de destino trágico das minorias no mundo capitalista globalizado contemporâneo? As minorias como que já nascem com um destino traçado - e aquelas que conseguem escapar são exceções. No filme, não há exceção, a não ser pela última cena, que já comento. Por agora, importante frisar que os destinos já traçados e que alimentam a máquina social francesa no filme são os irmãos pobres descendentes de argelinos - nunca esqueça que a Argélia foi colônia da França. Para estes irmãos, assim como para todas minorias, a falta de poder lhes retira as opções de escolha, e assim seguem um destino que, por uma ou outra variável, se apresenta como inescapável.


Por essas razões que as escolhas estéticas e narrativas que privilegiam o épico e a tragédia são mais do que acertadas: são uma sacada de raro poder intelectual. Porém, lá pro último terço da obra, esse poderia intelectual se mostra acovardado, e não consegue segurar o rojão.


Ao mostrar que o assassinato do caçula foi realizado por grupo de extrema-direita, o filme passa o pano pra polícia - que é uma das engrenagens institucionais fundamentais para manter as minorias como minorias, exercendo controle e vigilância constante, quando não as aprisionam e/ou matam. Ao optar pela escolha do grupo de extrema direita como vilão, ele superficializa e enfraquece a força da crítica social que é ensaiada ao longo de todo filme. O problema é que, além do que citei acima, a opção pela extrema direita abre um caminho sem volta, que não convence. Veja bem:


1- A extrema direita se orgulha dos crimes de ódio. É assim que ela se manifesta politicamente. No filme, ao que a tatuagem do assassino indica, o crime é de motivação religiosa. A extrema direita assassina se orgulha e se articula para expor seus atos nefastos. No filme, ela se disfarça de polícia para incriminar a polícia.


2- Mas a polícia, como órgão estatal de controle da coerção e da violência, é aliada da extrema-direita, compartilhando inclusive muito de seu modus operandi. A extrema direita não é composta de minorias. E o problema da policia é com as minorias. Extrema direita e policia tem histórico de aliança, não de oposição - vide os tantos grupos paramilitares que, depois, se tornaram polícias estatais, como no caso clássico da milícia nazista durante a ascensão do nazismo na Alemanha. Não sei como é na França, mas aqui no Brasil, a extrema-direita tira foto com a polícia durante as manifestações.


3- se o filme é sobre os três irmãos, porque investir tanto tempo de duração do plano e de enquadramento no policial que é sequestrado pelos manifestantes? Se ele fosse o responsável pelo assassinato do caçula, essa seria a justificativa. Mas não, não foi a polícia quem cometeu o assassinato. Portanto, a opção da direção foi a de nós causar empatia pela polícia. Veja lá, nos como espectadores conscientes sabemos do perrengue absurdo que é ser um policial. Mas porra, o filme não era sobre os irmãos, e sobre como a policia, agindo em sua truculência cotidiana, assassina minorias? A insurreição levada a cabo pelos jovens do bairro se torna, então, toda injustificada, já que estão agindo pelas razoes erradas. Achei covarde e, principalmente, traidora, essa opção.


No mais, uma maravilha técnica.


Obs: Porra, como eu queria meter umas 4,5 estrelas aqui. Mas, com esse final, não rola.


Athena

Direção: Romain Gavras

Roteiro: Elias Belkeddar, Romain Gavras e Ladj Ly

França - 2022 - 1h 39min


Avaliação:

3/5

© Filmes Cuti 2022 - Criado por João Marcos Albuquerque

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